Eu sei. Eu sei que todos somos peões e que só alguns, às vezes, são condutores. Mas então há em nós, enquanto peões, um complexo qualquer de inferioridade que nos faz avançar para a passadeira como para os cornos do boi.
Há uns anos atrás, tinha eu acabado de sair do hospital com o meu filho, foi o meu carro abalroado por um peão que, de phones nas orelhas e olhos nas nuvens, nem o viu nem ouviu avançando para ele de tal forma que lhe escavacou os vidros laterais, da janela e do retrovisor. Quando ouvi o estrondo só pensei que tinha atropelado alguém que nem sequer me tinha passado à frente do imaginário e acreditei, por breves instantes, que aquela aventura operativa a que o meu benjamim tinha acabado de ser sujeito me tinha toldado os sentidos. Mas não, a criatura, gigante de compleição mas demasiado jovem para se precaver contra os atropelos da vida, meteu o pé à estrada precisamente no momento em que eu e a minha pequena viatura íamos a passar. Foi um imbróglio que meteu ambulância e polícia numa manhã em que eu já tinha a minha conta.
Já vi, Já vi que este exemplo não é exactamente elucidativo do que comecei por dizer. Acontece que hoje, em cerca de quinze minutos de percurso, fui forçada a parar três vezes de repente. De repente porque os peões, os que deveriam parar na borda do passeio e olhar para a esquerda e para a direita como a minha mãezinha tão bem me ensinou, fizeram da estrada a continuação natural do seu percurso como se possuíssem, por direito próprio, a estrada como o passeio – tudo deles! Tudo deles!... E nem sei porque carga d’ água é que não abalroei eu hoje um, toldada que estou pela inglória luta que travei durante mais de metade da noite com fantasmas de todas as proveniências! Amor, desgraça, criatividade…tudo me visitou esta noite! Mas isto já é outra conversa.
1 comentário:
O pior é que depois os condutores são sempre os culpados. É porque andam em excesso de velocidade, porque não respeitam sinais, porque estão ao telemóvel, porque estão distraídos, são uns irresponsáveis e uns assassinos. E tantas vezes são os peões os verdadeiros responsáveis pelos atropelamentos. Só quem anda na estrada todos os dias é que sabe.
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