Disse-me, há cerca de dois meses, mais coisa menos coisa, que faria oitenta anos e que se iria embora. “Faço oitenta anos e morro”, eram as palavras exactas que usava.
Eu sorria, condescendente: “Ó Maria Helena! Que disparate! A gente sabe lá quando é que se vai embora! Não diga essas coisas.” Ela olhava-me nos olhos e afirmava: “Eu sei.”
E apesar do mau feitio apregoado por alguns, e das queixas típicas dessa idade em que o corpo já não acompanha o espírito, ela trazia uma lufada de ar fresco nas vestes coloridas, na força do olhar e na teimosia com que fincava a bengala no chão, zangada com a queda que nunca mais a deixou ser quem era, tão viva, tão enérgica, tão determinada a vencer.
Faz precisamente hoje um mês que completou os seus oitenta anos.
Ante-ontem, às quatro da tarde, cumpriu-se a sua certeza. Ontem despedi-me dela. Não a acompanharei hoje mas sei que vou, durante muito tempo, estranhar-lhe a ausência. E nada no meu caminho, naquele que diariamente percorro, poderá substituir a sua imagem colorida e caprichada, de bengala na mão, a vir ao meu encontro.
1 comentário:
:) Eu acho que há pessoas, vá lá saber-se o porquê, que não partem nunca...
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